quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A persistência do racismo e da luta anti-racista

Danilo Dara

Dois atos públicos contra o racismo, a discriminação racial e o assassinato de jovens negros por militares.

1º ato: 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. Milhares de pessoas desafiavam a ditadura para protestar pela morte de Robson Silveira da Luz nas dependências do 44° DP, resultado de torturas praticadas por militares e pelas péssimas condições carcerárias no Brasil. E denunciar a discriminação sofrida por quatro garotos negros do Clube Tietê, proibidos de utilizar a piscina. Lá estava sendo criado o Movimento Negro Unificado (MNU).

2º ato: 7 de julho de 2008, nas mesmas escadarias de um país supostamente redemocratizado, com 20 anos da “Constituição Cidadã”. Um repúdio à tortura seguida do assassinato de três jovens negros entregues a traficantes pelo Exército, no morro da Providência (RJ); a novas agressões de skinheads contra rapaz negro em SP; à crescente perseguição, em todo Brasil, de templos e praticantes das religiões de Matriz Africana, depredados e agredidos por setores evangélicos reacionários; à campanha contra as cotas para negros, articulada por setores elitistas e pela grande mídia contrária a qualquer reparação; enfim, um repúdio também aos freqüentes ataques de grileiros, especuladores e empresas trans e nacionais às conquistas de direitos por quilombolas.

Hoje e aqui, a despeito de saltar aos olhos que muito pouco mudou na vida de negras e negros no Brasil, ao menos um motivo para realmente comemorar: a persistência radical de 30 anos do MNU. (DD)


30 anos de Movimento Negro Unificado (MNU)
Reginaldo Bispo

No rol das muitas comemorações de datas históricas em 2008, destacam-se os 200 anos da chegada da família real no Brasil em março; os 120 anos da abolição da escravatura, em maio; e um fato histórico contemporâneo: os 30 anos da criação do MNU, dia 07 de julho.

Se a chegada da família real marca a fundação do estado brasileiro e a introdução aqui dos elementos da cultura clássica européia: o luxo, a ostentação, além de outros valores pouco recomendáveis, como o acirramento da exploração escravista. O processo da abolição não se deveu à boa vontade da família, de D. João, dos Pedros I e II, tampouco de Dna. Isabel. Ao contrário, a família real foi a responsável por seu atraso, pois, além de proprietários, financiavam o comércio escravista, fazendo do Brasil o último país a abolir a escravidão.

A lei sexagenária liberou os proprietários de arcar com os custos de assistir ao negro que conseguisse sobreviver aos mal-tratos e à fúria animalesca dos proprietários. Um negro que sobrevivesse à violência desse tratamento, após os 60, era incapaz de sobreviver por meios próprios. Era libertado, pois, para morrer à míngua, liberando o patrão do ônus.

A lei do ventre-livre de 1871, outra farsa, colocava sob a tutela do estado a criança nascida livre, a qual ou permanecia sob o mando do escravista, proprietário da mãe, que a explorava até os 18 anos.

A “Abolição”, de 13 de maio de 1888, foi resultado de pressões internacionais - principalmente da Inglaterra, para escoar o excedente da sua produção industrial -, e das revoltas populares e negras que pipocavam no território brasileiro, as quais após a guerra do Paraguai e a vitória dos negros contra os escravocratas franceses no Haiti, tornaram-se um pesadelo para as elites escravistas de nossa terra.

Nestes 120 anos, pouco mudou nas relações sócio-econômico-culturais no Brasil. Os grilhões foram substituídos por um instrumento ideológico muito mais eficiente: o Racismo! Através de mecanismos econômicos, culturais, institucionais e legais, impõem os espaços que são permitidos aos negros, preservando os melhores para os brancos. Os castigos corporais foram substituídos por perseguição, prisões e a eliminação física de jovens negros por órgãos de segurança dos governos e da polícia em todo o país.

O racismo segregou os espaços de moradia, educação, consumo, através da monopolização dos melhores trabalhos e salários pelos euro-descendentes. Na sociedade, na política, o prestígio e os privilégios advêm da capacidade individual ou coletiva de possuir algum poder econômico, ou ter padrinhos, o que não foi permitido aos negros nestes 120 anos.

O MNU surgiu em 7 de julho de 1978, com ato público em frente ao Teatro Municipal de SP, em protesto contra manifestações de racismo: o assassinato de Robson Silveira da Luz, por policiais, dentro do DP de Guaianazes - Capital, e a segregação de atletas negros do Clube de Regatas Tietê, também em São Paulo, por diretores que os impediam de entrar na piscina do clube.

O 7 de julho foi um marco e dia de Glória para os negros de SP e do Brasil: em plena ditadura, milhares de negros desafiam a repressão e vão para a praça pública gritar em uníssono o que estava engasgado na garganta de todo um povo, desde a ilegalidade da Frente Negra em 1937, pelo estado novo; e do golpe militar que calou o Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, em 1964: “Não toleraremos mais o racismo e os racistas! De agora em diante os racistas não dormirão mais em paz! Estaremos organizados e vigilantes na luta contra o racismo!”

E assim tem sido, nestes 30 anos. Novas organizações surgiram, avanços e conquistas ocorreram, mas praticamente todos beberam e se inspiraram nos Programas de Ação do MNU, nas bandeiras e nas lutas travadas por nós. O MNU esteve em lutas e manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e eleições livres no Brasil, no Fora Collor, na Construção da CUT, na Constituinte - emplacando o reconhecimento das terras quilombolas, inclusão da história do negro nos currículos escolares, e o racismo como crime inafiançável. O MNU foi tema de artigos, teses e livros. E perseguido pela repressão e governos ditos “democráticos”, com detenções (é o caso de Neninho do Obaluaiê que, por sua militância, mofou 14 anos em penitenciária de SP); com demissões de militantes sindicais (como Milton Barbosa, do Metrô-SP e Reginaldo Bispo, da Unicamp) por governos do PSDB/PMDB.

Colecionamos nossos mártires: lutadores foram perseguidos, presos ou mortos pela polícia e grupos de extermínio. Militantes do MNU, em Salvador, vêm recebendo ameaças de morte devido à campanha “Reaja ou será mort@!”, articulada pelo movimento junto a outras entidades negras. A recente acusação de um alto funcionário da Sec. de Segurança, de que o MNU “seria uma organização criminosa” pela campanha que faz contra a matança de jovens negros e por melhores condições aos encarcerados nas prisões públicas da Bahia - que mais lembram navios negreiros (pela maioria de negros e pelas condições fétidas e anti-humanas) -, nos dão uma idéia de como os carlistas ainda comandam o governo da BA. Será responsabilidade do governo petista de Jaques Wagner se algo vier a ocorrer com aqueles irmãos e irmãs.

Este ano é especial: muitas manifestações serão realizadas em todo o país. Ao reavivarmos esta história, renovamos nosso compromisso e disposição para seguir lutando, de forma independente, contra o racismo, em defesa de um Brasil melhor, onde negros e negras exerçam seus direitos inalienáveis de liberdade e cidadania, conscientes e organizados, construindo o CONNEB (Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil) e o Projeto Político do Povo Negro para o Brasil, inclusivo e justo, onde os 50% da população, nós e nossas futuras gerações ocupemos os espaços que nos pertencem de direito. Longa vida ao MNU!

Reginaldo Bispo é Coordenador Estadual do MNU-SP.


Os 7 pecados Capitais – na Segurança Pública da BA
Hamilton Borges Walê

Mais um jovem com sonhos e um belo futuro abatido em Salvador. Dessa vez na comunidade de São Cristóvão, conhecida como Planeta dos Macacos não por acaso, mas pelo seu contingente populacional negro. Os negros são mortos como insetos e a cada feriado ou final de semana as estatísticas parecem que nos desafiam a alguma ação. Parece que são os números que nos cobram.Temos tabulado tantos corpos que já perdemos as contas.

A mãe de Diego de Jesus Sampaio, 17 anos, nos recebeu em sua casa. Reuniu as forças que podia e nos pediu justiça, para que lutemos, para que outra mãe não chore como ela. Atravessamos a cidade em meio a uma chuva torrencial, pouco preocupados com a epidemia de dengue que nos ameaça tanto quanto a violência, saltamos os buracos e os esgotos a céu aberto, tínhamos que cumprir uma missão quase inútil dada a gravidade dessa outra epidemia que nos assola com farda de polícia e distintivo oficial. Oferecemo-nos para repercutir, denunciar, gritar e articular uma reação pela cidade.

Diego foi morto covardemente, depois de uma sessão de tortura. Foi alvejado várias vezes. O corpo foi conduzido por seu algoz até uma guarnição policial. Seus documentos foram destruídos e, sob a alegação de que ele era bandido, foi mandado como indigente ao hospital. Seu algoz foi blindado pela polícia. Comerciante já conhecido por suas ações de vigilante e crimes confessos dos quais foi liberado pela justiça. Mais uma vez um crime motivado pelo ódio racial.

Diego era estudante, tem família, era surfista e lutou horas no hospital pela sua vida. Exigimos do governador que dê respostas a mais uma mãe que se debruça sobre o cadáver de seu filho adolescente e reflita sobre os sete pecados que têm sido cometidos pelo seu governo no trato com a segurança pública, quais sejam:

1- A Ira da policia nos bairros populares de maioria negra. A criminalização de populações inteiras submetidas a constrangimento, atos de violência, desrespeito e morte. Nada sugere uma suspensão dos atos arbitrários. Os fatos dão prova de que tudo vai piorar.

2- A soberba dos governantes que não dialogam com a população e apresentam planos mirabolantes para nossa segurança sem nos consultar. Como o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que para nós não passa de um Data Show que investe mais recursos em repressão do que em prevenção e tem tido o efeito de calar a boca de muita gente que poderia se pronunciar ante essa guerra que ceifa nossas vidas.

3- A avareza que impede muitas ONGs de se pronunciarem para não perder os vultosos recursos que se oferecem a cada cadáver que tomba de nosso lado da ponte. São os projetos para carentes e os intermináveis debates, seminários e encontros que se promovem em hotéis de luxo, onde se pratica...

4- ... a gula: conversam muito e vão para os coquetéis oferecidos com muito luxo e pompa deixando muita gente boa empanturrada e satisfeita, sentindo-se importante por que, de tempos em tempos, alguém vai para a televisão dizer que os negros estão fazendo algum progresso num governo democrático e popular, maquiando cinicamente os dados de nossa desgraça cotidiana

5- Luxúria: "Lúdico, Lúgubre e Luxurioso". Segundo o jornalista Dr. Fernando Conceição, estes são os três “Ls” que nos etiquetam. Assim somos vistos pela elite tacanha e neocolonialista brasileira. Como lúdicos, divertidos, que podem elevar as divisas e arrecadações cantando, dançando e até celebrando o turismo étnico baiano. Somos todos coletivamente "Lúgubres", monstruosamente perigosos, insanamente bárbaros e nos matamos enquanto nos embriagamos nas favelas. E somos "Luxuriosos" porque sexualmente desregrados, com bundas oferecidas às fantasias de europeus ávidos por sexo.

6- A vaidade tem sido a tônica, o motor e a marca dessa segurança que em nada mudou nessa nova gestão. Mantém os mesmos quadros da polícia, muitos envolvidos com a tortura e a violência, citados em CPIs . Mais fortes em seus cargos de comando mandando praças e agentes para fazer o trabalho sujo, reproduzindo a lógica escravocrata de nos matarmos para ter "status" com o senhor. É um Narciso que se acha belo, mas com a mesma imagem de 16 anos atrás. É o que pensamos e vivemos nas vilas, favelas e presídios. Nada mudou.

7- Preguiça é o mal que tem afetado muita gente boa que lutou ao nosso lado. Pessoas em quem apostamos nossas esperanças e agora se calam entre os senhores da Corte, assistindo ao extermínio de seu próprio povo; ou mesmo covardia, que não é exatamente um pecado capital cunhado no Vaticano, mas merece pena.

E, por fim, o silêncio que nos ronda já faz tempo, e é perigoso para um projeto do ponto de vista dos negros para o Brasil A Mãe de Diego pede justiça e nós nos apresentamos com o que temos. A alma de Diego se junta às almas de Edvandro Pereira, Clodoaldo Souza, Aurina, Djair, Ricardo e tantos outros tombados na guerra injusta.

Hoje, 3 de maio de 2008, às 16 hs, nós o sepultaremos e seu corpo será coberto por lágrimas e esperança. É tudo que nos resta, por hora.


Hamilton B. Walê é Militante/Poeta do MNU-BA e da campanha “Reaja ou será mort@!” contra a violência policial dirigida a negr@s na BA.

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