quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Suburbanos convictos: pelas periferias do Brasil

Os guerreiros do hip-hop Alessandro Buzo e GOG falam de suas trajetórias no movimento e seus projetos futuros na semana de lançamento de "Suburbano convicto - pelas periferias do Brasil" e "Guerreira", livros respectivamente organizado e escrito por Buzo. GOG estará em São Paulo e fará show no acampamento João Cândido do MTST na Vila Calu.

Danilo Dara

A trajetória de vocês no hip-hop...
GOG - O hip-hop no DF teve sua origem nos anos de 81/82, faço parte dessa primeira geração. Tudo foi mágico. Muita coisa que imaginávamos hoje está acontecendo, algumas boas, outras nem tanto. Mas o fator mais marcante do hip-hop na minha vida é o poder de transformação que ele tem no seu discurso, no seu método. Sou uma eterna construção, não sei de nada totalmente, aprendo todo dia mais um pouco, na tentativa de ser uma pessoal útil ao planeta.
BUZO - Eu entrei no hip-hop via 5o elemento (conhecimento), antes só curtia as músicas. Depois do primeiro livro eu fui indo em vários eventos e conhecendo cada vez mais os grupos e pessoas importantes no hip-hop como o Nino Brown. Depois passei a ser colunista de sites (Enraizados, Rap Nacional e Real Hip Hop), nasceu o evento “Favela toma conta”, passei a ser colunista e depois repórter da revista Rap Brasil. Hoje respiro rap nacional.

Como surgiu o "Favela toma conta", Buzo, e em que pé ele está?
B - Surgiu na rua que eu moro, vi uns 15 moleques jogando basquete no posto, a tabela era um aro de bicicleta e disse: falta tudo aqui, quem sabe um evento ajuda a dar uma animada. Fiz os dois primeiros na rua de casa e depois em outros 3 lugares no bairro do Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo. Arrumo sozinho quase tudo, atrações, estrutura, despesas. Não tenho uma equipe, não que não queira, mas muitos querem dividir antes mesmo de somar. O evento aconteceu 3 vezes só esse ano de 2007, dia 12 de outubro acontece a 14a edição que será especial "dia das crianças", com distribuição de brinquedos, pelo 4o ano nesse dia especial. Tudo isso sem um apoio fixo, sem quase nada de grana, o que requer muitos contatos, isso eu tenho.

Sobre a relação de vocês com a literatura.
G - Minha mãe foi professora do ensino fundamental, meu pai perambulou por várias profissões: borracheiro, porteiro, corretor de imóveis. O incentivo à leitura e à escrita foi um dado unânime na criação que os dois me deram. Desde criança participava de ditados, muito caderno de caligrafia, e leitura. Isso hoje é o que me dá base para exercer a minha profissão. Tenho muita facilidade, posso dizer até uma cumplicidade com a leitura e a escrita.
B - Conheci a literatura pequeno porque minha mãe sempre estava lendo e comprava livros e gibis pra mim e pro meu irmão, passei a escrever em fanzines e jornais de bairro. Em 2000 lancei independente meu primeiro livro e não parei mais, foram 4 livros independentes.

Ainda sobre formação, queria que você GOG falasse um pouco da sua relação com o marxismo.
G - A teoria marxista é o solo em que piso. Sem ela não sei o que seria do GOG, dos seus argumentos, dos seus textos. A minha aproximação com o marxismo data dos meus tempos de Faculdade, veio então um aprofundamento da leitura, nos debates, nos questionamentos e a certeza de que o solo era realmente firme. O materialismo dialético é algo que me fascina e que me mantém longe de muitas doutrinas que fazem da transitoriedade do homem na terra e da falta de respostas uma jogatina sem fim. Vejo claramente que a falta de leitura e historicidade de vários integrantes da esquerda, principalmente a brasileira, é um fator decisivo na tomada de decisões equivocadas e que consequentemente fortalecem a elite com argumentos falsos, mas superficialmente convincentes, de que o socialismo e toda a teoria marxista é coisa do passado, ultrapassada. Hoje a grande questão é definir: o que é ser de esquerda? A minha resposta é dada nos meus textos e no meu modo de agir.

Por falar em faculdade, quase 100% das vagas em cadeias públicas não-especiais são para pretos e pobres? São a favor das cotas?
B - Se rico fosse preso, ia faltar cadeia. Mas um rico preso, desvia mais dinheiro que o valor que todos detentos de uma penitenciária juntos roubaram; desvio de verba, superfaturamento, e quem paga é o povo. Lalau desviou 169 milhões e está em prisão domiciliar, deixa ele morrer na cadeia, mas não, 169 milhões paga muita gente, compra liberdade.
G - Olha, falo disso e começo a me arrepiar todo. É porque essa leitura me dá a certeza que eles (a elite racista e preconceituosa) estão ganhando o jogo, e de goleada. E pior, no Brasil há mais de 500 anos, e o jogo ainda demora pra ser virado. Sou a favor de ações, políticas afirmativas, de tomada de decisões sérias, marcação de espaço e definição de quem é quem nesse jogo (luta de classes). Percebo que o pior inimigo é o que está próximo, aliado, mas fazendo o jogo do inimigo.

Como vocês pensam a proximidade entre o hip-hop e outros movimentos sociais.
G - Não vejo outro caminho para o hip-hop e os demais movimentos sociais que não seja o da interação, do diálogo, da utilização das redes de comunicação já montadas. Mas falta algo que proporcione essa aproximação. Talvez seja todos admitirem que ninguém é dono da verdade.
B - Penso que temos que correr juntos, todos falamos a mesma língua e lutamos por ideais iguais ou parecidos. Eu sou branco e me identifico 100% com o movimento negro, porque sou pobre e passo vários problemas de ordem financeira, descaso e preconceito. Não racial, mas é preconceito também, minha mulher é negra e amo ela, nosso filho é mestiço. A luta não tem que ser racial, tem que ser de classe social, combater a elite que domina e massacra. Me identifico com os sem-terra, sem-teto, porque sou um também, moro numa casa de 2 cômodos com córrego fedendo atrás e tem gente que só vê minhas realizações e pensa que sou rico. Só tenho disposição em dobro, acredito nos meus projetos antes de todo mundo.

Você esteve recentemente no congresso Nacional do MST, e no acampamento João Cândido do MTST, onde fará um show este sábado. É um rapper afro-comunista?
G - Não tenho definição. É o que eu sinto e os outros percebem. Não adianta um discurso engajado, sem ações que o fortaleça. Sou um ser humano em construção, todo dia uma parede é erguida, outra derrubada, mas sem mexer nos meus pilares, que são pedras fundamentais do meu pensamento. Logo visitar e manter uma relação de parceria, respeito e solidariedade com o MST e com o MTST são para mim sinais claros que a luta continua, de que não estou só, tenho parceiros e que a realidade pode ser transformada com postura, atitude, organização e determinação. Ouvir os acampados do João Cândido gritando o verso "Revolucionários do Brasil: fogo no pavio, fogo no pavio!" entoado como grito de ordem, de guerra, de melhoria por milhares de pessoas que realmente acreditam na transformação foi algo que me deixou muito pensativo, feliz e cada vez mais concentrado na minha caminhada que sempre trabalhei para correr pelo certo.

E a melhor forma de correr entre os que prometem Reino dos Céus e a Cidade de Deus na Terra, armados de diversos meios?
G - Estar sempre atento. Eles possuem armas poderosas e não vão se entregar. Mas os passos a serem tomados pelo povo têm que ser apresentados com sapiência, senão vira banho de sangue.
B - Sinceramente, acredito em quem trabalha pelo coletivo e corre atrás sem esperar cair do céu. Do céu só cai chuva e infelizmente às vezes avião. Terra prometida não existe, mude a sua própria quebrada, sua rua, para melhor e estará fazendo sua parte. A revista Rap Brasil, por exemplo, é a única revista de rap com circulação nacional na banca. Temos que consumir nossos produtos, senão a editora tira a revista de circulação. Quem faz a revista ama o rap, mas a editora quer saber de números. Acho que tudo na vida temos que fazer bem feito, senão seremos mais um. Meu blog (http://www.suburbanoconvicto.blogger.com.br/) é atualizado todo dia e nem por isso abrimos para assuntos vazios. O conteúdo é de qualidade, isso faz a diferença, só assim mostraremos o que de melhor aparece nas periferias do Brasil.

Conta mais GOG dessa treta em defesa do Piauí, contra a Phillips e o movimento "Cansei".
G - O Movimento "Cansei" parece até uma piada, mas é na verdade muito mal intencionado. Não pelos artistas que assinaram o "Manifesto", mas pelos seus idealizadores. Quem tem um pouco de conhecimento histórico sabe da semelhança entre esse movimento e as manifestações por um "Brasil melhor” que aconteceram nos anos 60, mais precisamente em 64, pouco antes do golpe militar. Eles têm em mente, como estratégia, alimentar esse sentimento, desestabilizar o governo e a sociedade. Não se conformam em ter alguém de ascensão popular como chefe maior do nosso país. Não estou nem aí pro boicote deles, tenho meu povo, meu público e meu espaço, dignos e conquistados com trabalho e seriedade. Agora, o Sr. Paulo Zottolo vai ouvir! Já gravei “Direito de Resposta”, terminamos o vídeo e estaremos em breve entregando nossa versão dos fatos ao governador do Piauí, Wellington Dias. Outra cópia será enviada ao presidente da Philips na América Latina. Isso não pode passar batido. Fui gerado no Piauí. Minha família é toda do estado, embora acredite que todos os brasileiros deveriam se manifestar. Estou fazendo o que acredito.

Queria que você Buzo falasse da idéia central do seminário "Cultura e pensamentos livres", que está organizando junto ao grupo Epidemia em São Paulo e no Ceará, e inclusive o GOG também vai participar.
B - A idéia central é promover debates (palestras), mesclando pessoas da periferia com acadêmicos, pessoas de outras classes sociais, para que um veja o outro e vice-versa. Trocar mesmo, não podemos nos fechar. Mas isso não quer dizer se vender, quer dizer mostrar o nosso talento e chamar quem pode ajudar, financeiramente ou não, para somar. Se um cineasta pode ir fazer uma oficina na minha quebrada, isso me interessa, não só a grana dele, o seminário vai ser útil para misturar as classes.

Como você vê a ampliação dos espaços culturais nas quebradas? O que sugere pra avançarmos mais?
B - Montei a Biblioteca Comunitária Suburbano Convicto há dois anos e hoje ela funciona sozinha, sem depender da minha presença: olha o progresso. Quanto aos cineclubes populares acho fantástico: teatro e cinema tem que ter na periferia também. Hoje acreditamos que podemos fazer literatura, cinema, teatro, e vários lokos estão fazendo. Eu tô nesse bonde, pretendo fazer alguma coisa em 2008, uns documentários, trabalho numa produtora de vídeo (DGT Filmes) e lá está sendo minha escola. Acho que para avançarmos mais, temos que chamar cada vez mais gente para se envolver, criar interesse e buscar parceiros financeiros, colocar os projetos no papel e correr atrás. Mas pode ter certeza, a luta só acaba quando o ultimo de nós cair.

E a idéia da coletânea "Suburbano convicto - pelas periferias do Brasil" surgiu como?
B - Faço parte do núcleo de literatura periférica da Ação Educativa. Quando num de nossos encontros o Eleílson disse que a Ação apoiaria alguns livros, sugeri a coletânea, convidei algumas pessoas e outras apareceram naturalmente. Todos os passos do livro foram acompanhadas por todos via e-mail coletivo, vamos lançar dia 25/09 em São Paulo e a idéia é fazer em alguns dos outros 6 estados envolvidos. Vamos ver se conseguimos apoio pra isso.
G - Quando recebi o convite, disse que na realidade era uma convocação. Aceitei no primeiro momento e me confesso muito ansioso para o lançamento, as ações que vão ser tomadas e possibilidades de acesso às comunidades que nos será proporcionado. Temos que trabalhar muito. Tenho certeza que o time é de primeira.

Quais seus outros principais projetos atuais?
B - Lançar meu livro "Guerreira" dia 05/10 pela Global Editora; terminar a correção do livro: “Do conto à poesia”, que pretendo lançar em 2008; finalizar o outro que estou escrevendo: "Profissão MC". De vida é comprar uma casa para minha família, pra isso luto tanto. Continuar fazendo as coisas que tenho feito já ta de bom tamanho.
G – Em relação ao rap, na realidade não somos um grupo, somos uma família formada por várias pessoas com proximidade de pensamentos. O DJ Tiago, Rapadura e o Lindomar 3L estão com seus discos sendo produzidos e logo, logo sairão pelos quatro cantos do Brasil, apresentando suas propostas. E eu GOG estarei garimpando novos talentos para me acompanhar nos palcos da vida. Esse processo já aconteceu com o grupo A Família. Acabei de finalizar o clipe de “Cavalo sem dono selvagem”, tentando mostrar e provar que muito pouca coisa mudou, que a estratégia do sistema é outra e que a maldade continua a mesma. E meu primeiro DVD, “Cartão-Postal-Bomba”, está em fase final de edição. Estamos trabalhando dia e noite para que chegue às mãos dos guerreiros e guerreiras em dezembro. Mas a prioridade é fazer um trabalho de qualidade, que dê orgulho a quem assistir.


Danilo Dara é historiador.


Quem é Alessandro Buzo?
Nascido na capital, cresceu no Itaim Paulista (extremo leste) e tem 35 anos. É escritor, arte-educador, agente cultural. Em 2002, publicou de forma independente seu primeiro livro, “O Trem - Baseado em Fatos Reais”, depois veio o fanzine “Boletim do Kaos”, semanal, gratuito (atualmente na edição 148º ). Participou de coletâneas de “Literatura Marginal” da Caros Amigos e “Rastilho de Pólvora” da Cooperifa, e vieram outros livros independentes como “O Trem - Contestando a Versão Oficial” e “Guerreira” (agora relançado pela Global). Colunista de sites voltados ao hip-hop (Enraizados, Rap Nacional e Real Hip Hop), é também repórter da revista Rap Brasil e organiza o evento “Favela toma conta” na sua quebrada. Mais info: http://www.suburbanoconvicto.blogger.com.br/ .

Quem é GOG?
Genival Oliveira Gonçalves, conhecido nacionalmente pela sigla GOG, é considerado um dos grandes pilares da cultura hip-hop nacional. Nascido e criado na periferia de Brasília, filho dos nordestinos Sebastiana e Genésio Gonçalves – seus mestres -, desde os tempos do break em 1982 sua originalidade poética, militância política e força rítmica resultaram numa potente família ao seu lado. Já lançou em sua carreira mais de 8 discos, entre eles “CPI da Favela” (2000), “Tarja Preta” (2004) e o último “Aviso às gerações” (2007). Hoje coordena o projeto Só Balanço, núcleo que comporta um selo, um estúdio e duas lojas no Distrito Federal. Atualmente GOG tem como parceiros mais próximos, independente de sua carreira com os DJ Tiago, Rapadura e Lindomar 3L, os rappers engajados Demis Preto Realista, Gato Preto, Crônica e o DJ Bira, que formam o grupo “A Família”. Para o fim de ano GOG prepara seu primeiro DVD, “Cartão-Postal-Bomba”.



DIREITO DE RESPOSTA - GOG (2007)

1
Meu pai, minha mãe, tia Helena, minhas primas pequenas,
Meus tios, primos, vizinhos, Povo forte nordestino
Irados, inconformados, agressões ao Estado
Que meus ancestrais escolheram, onde fomos criados
2
Pois bem, Sr. Paulo Zottolo, ouça a voz do Crioulo
Você que sempre comeu a maior fatia do bolo
Sedução, charme, Segredos, cifras milionárias
Valor econômico, Executivo capa da “Caras”
3
Imagino as piadas de saguão, e no avião
Na reunião, com os “puxa saco” de plantão
Oh, Se empanturrou com dólares no bolso
Falou o que quis, encare agora a corda no pescoço
4
Vai passar por maus bocados, produtos boicotados
Chamado às pressas na matriz andam preocupados
Televisores quebrados na manifestação da praça
Philips, Walita na minha casa nem de graça

POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO DO GLADIADOR!
POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO CONTRA O OPRESSOR!
1
Sei o que moveu seu total irado desprezo
Julgava meu amado Piauí indefeso
Falaria, humilharia e sairia ileso
Surpreso? Cruzado, direto, sinta o peso
2
Balançou, e já entrou na dança das cadeiras
Carta de demissão, é manhã de segunda feira
Do seu lap top caixa de mensagens não acessa mais
Chuva de críticas, cara na capa dos jornais
3
Quebrou o jarro, capitalismo gigante dos pés de barro
Das favelas daqui, quer sair, acelere seu carro
Persona non grata, desprezo fere ou mata
Léguas pra buscar água contaminada na lata
4
De Monte Alegre a Floriano rumo a Luis Correia
Tratamento vip pros “cabra de peia”, golpeia
Que não respeita a luta diária suada alheia
Hip Hop 100 por cento quatro elementos na veia
POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO DO GLADIADOR!
POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO CONTRA O OPRESSOR!

1
“Nem 1 milhão de Lâmpadas florescentes, incandescentes
Iluminariam sua mente doente, demente
Vou em frente, lado a lado com os bolsões de pobreza
Que dó da sua fraqueza, sinto o calor da vela acesa
2
Cansei das falcatruas montadas por você e seus sócios
Elementar derrubar quem atrapalhou seus negócios
Tv digital vitória japonesa, Derrota holandesa,
Azedaram seu banquete já quente na mesa
3
Engenheiro, adepto do topa tudo por dinheiro
Cansei dos juros altos coletivo cheio
Do que vale mapas, fotos de favelas na luxuosa sala
Se a sua responsabilidade social é falha
4
As classes D e E declaram-se oposição
A estratégia naufragou levando ambição
Em apenas uma linha definir você?
Motivo de alegria da Sansung e da LG

POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO DO GLADIADOR!
POR AMOR, POR AMOR,
O GRITO CONTRA O OPRESSOR!

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